quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Meu irmão, meu filho


"Assim que eu soube que ela estava grávida, 
fui visita – la".
Rogério meu melhor amigo, não me dava sossego enquanto não fosse visitar minha mãe biológica. Soubera há pouco tempo, logo que fiz meus dezoito anos, que não era filha legítima do casal Magalhães, gente da classe alta da sociedade paulistana.
Nada me faltava e naquela tarde no Jockey Club, Rogério me intimou a ir ao encontro dela. Meus pais viajavam com certa freqüência e nada os impedia. Meu pai era muito bem aposentado e minha mãe não lecionava há alguns anos. Ficava sozinha naquela imensa casa. Sozinha não, porque tenho a companhia da minha babá o tempo todo, e do motorista que foi da empresa do meu pai, o senhor Edilson, que me leva a qualquer lugar onde quero e a hora que for. Sozinha sim, no meu íntimo, quando fico na janela do meu quarto vendo o gramado, as luzes que vem do fundo da piscina, quando ando pelo jardim e meus dedos percorrem as hortênsias que minha mãe cuida com tanto carinho.
No meu íntimo, sentia algo diferente, da minha pessoa com meus pais. Sem ambição, não me apegava a nada do luxo que me rodeava. E finalmente, soube que não era filha legítima dos Magalhães.
De certo naquela tarde não saberia o que me esperava. Senhor Edilson encontrava – se com o endereço nas mãos. Chegamos num bairro não muito conhecido da periferia de São Paulo. Saiu o senhor Edilson do carro e batendo palmas no portão, apareceu entre as roupas que estavam dependuradas no varal do quintal da casa, minha mãe. Vendo aquela mulher grávida imaginei quando ela engravidou de mim, sem condições de me sustentar, oferecendo – me para adoção.
Fiquei no carro e ela acenou gentilmente para que eu fosse até ela. Neguei. Ao contrário, pedi para que ela viesse onde eu estava. Mesmo com a ajuda do senhor Edilson, ela sentiu certa dificuldade de andar.
Não era o nosso primeiro encontro. Em outra ocasião, conheci meus avós, os pais dela, que na certa incentivou na época, que algum casal me adotasse, e aconselhando – a que vivesse sua vida. Não sei se vivi a minha, ainda estou com dezoito anos, mas com certeza cuidarei da criança que minha mãe espera, como se fosse meu filho. Sai do carro e corri ao encontro dela. Ela me abraçou e me disse:
- Adriana, preciso de você.

 Ouça, se preferir...

Casaco & Trufas


Eu e Jéssica esperávamos o ônibus quando passou uma senhora muito elegante vestindo um casaco vermelho oferecendo trufas recheadas nos mais diversos sabores. De regime, eu e Jéssica dissemos que “não, obrigada”.
Neste meio tempo observei aquela senhora em seu casaco vendendo trufas, encontrando em seu olhar certo cansaço. Seus dentes eram escuros talvez devido à nicotina do cigarro, e a cor do seu batom combinava com a cor do casaco.
- Que passado teria essa senhora? – perguntei à Jéssica.
- Vai saber se não era uma advogada ou executiva de sucesso.
Meu olhar foi acompanhando os passos dela, que caminhava lentamente. Assim que o semáforo ficou vermelho, ela atravessou a rua, e ao chegar do outro lado da calçada, tudo foi ficando em preto e branco, como nas fotos de antigamente. O modelo do seu casaco lembrava o ano de 1.950.

Minas Gerais, 1.950: Maura, a mulher do casaco vermelho trabalha num escritório de advocacia como secretária. Casa – se com Alberto, um funcionário público. Não tiveram filhos, mas sua melhor amiga pede que ela e Alberto batizem sua filha Sara.

São Paulo, 1.988: Dentro da farmácia,
Maura encontra – se com a moça que ofereceu trufas, no ponto de ônibus. Comenta que ela é parecida com sua afilhada que há muito tempo não a vê. Diz que vende trufas para ganhar algum dinheiro para ajudar a comprar remédios, pois a aposentadoria vai diminuindo a cada ano.
- Você é uma moça muito simpática – disse Maura para mim. Como se chama?
E eu com um sorriso, respondo:
- Sara.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A princesa e o bombeiro

A coordenadora pediu – me que levasse uma jarra de água para os atores que estavam nos bastidores. O teatro estava lotado e o nome da peça intitulava-se: “A princesa e o sapo”.
Meu expediente havia terminado e como em outras vezes, me sentava na plateia para assistir o espetáculo. Eu já conhecia a estória da princesa que beija o sapo e ele vira um lindo príncipe, mas relembrar a nossa infância não deixa a gente ficar velho.
O que não se esperava, aconteceu. A princesa ao se levantar esbarrou o vestido na vela acesa, que estava ao lado da almofada, perto do chão. Assim que o príncipe viu a pequenina chama, saiu todo esbaforido gritando: FOGO! FOGO!
O bombeiro Tenório, sempre de prontidão, pegou o extintor colocado numa das saídas da plateia e apagou a pequena chama.
Ninguém entendeu porque o príncipe saiu correndo da cena e o bombeiro dando risadas em cima do palco, mas o que se sabe é que a princesa lascou um beijo no bombeiro, dizendo:
 
- Meu príncipe encantado.

 Todos vendo a cena se puseram de pé e aplaudiram. Não sei se foi um improviso da atriz, mas acho que a princesa apaixonou – se pelo bombeiro.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Din Din o palhaço


Marcelinho neto do fazendeiro Antônio da Fazenda Passo Fundo, reuniu seus amiguinhos e decidiram montar um espantalho para colocar no meio do milharal. Diferente dos espantalhos que a gente conhece, decidiram montar o espantalho com folhas de papel de jornal. Ele e seus amiguinhos entraram no quarto do vô Antônio e pegaram a calça, o paletó, o cinto e a camisa dele e correram para o meio do milharal juntamente com o monte das folhas de papel de jornal e começaram a encher a roupa dando forma ao espantalho. Bateram uma estaca e amarraram - no com barbante. 

- E a cara dele? – disse Daniel. 

Marcelinho correu até a casa, entrou no quarto novamente e dentro da gaveta havia uma porção de fotos de parentes. Assim, “passou a mão” numa foto que achava que ficava bem como cara de espantalho e levou até o milharal. Com certeza seu avô ficaria muito bravo, pensou ele, mas a brincadeira é o que vale. 

Assim que o espantalho ficou pronto, apontavam para a cara dele e davam gargalhadas até rolarem no chão. Escutaram dona Conceição dizer de longe, que o bolo e o suco estavam na mesa, e puseram – se a correr, ficando longe dali.

O espantalho ficou sozinho no meio daquela imensidão do campo e da plantação de milho. Bateu um vento forte e ele começou a se mexer, mexer, parecia que ia se desmanchar, mas ao contrário do que se pensa, lutou bravamente contra o vento se sentindo forte e mais forte até perceber que estava andando. Refugiou – se debaixo de uma árvore, e quando foi ver já estava à beira da estrada, onde caminhões passavam a toda hora.

- Sai daí seu moleque, quer morrer atropelado – gritou um caminhoneiro.

Ao avistar uma luz, correu até lá. Era um lugar feito de cordas e estacas coberto com uma lona de cor listrada de vermelha e branca. Diferente das crianças que pulavam e gritavam o tempo todo na fazenda, as pessoas jogavam bolinhas para o alto, outras tentavam se equilibrar em fios de nylon, outras se dependuravam se jogando para lá e para cá.
De repente, o espantalho sentiu alguém agarrando seu braço, e perguntou a ele:

- O que você faz aqui?

O espantalho não sabia o que responder. O homem perguntou novamente:

- Você pagou a entrada? Onde esta o seu bilhete?

Novamente o espantalho não soube responder. Então o homem irritado disse: 

- Onde está o seu dinheiro? Sem din din, aqui você não pode ficar.

Mais do que depressa o espantalho se pôs a correr, ficando o circo para trás. Então ele teve uma ideia. Pensou:

- Como as crianças da fazenda davam gargalhadas da minha cara, porque não posso ser um palhaço?

No dia seguinte ele voltou ao circo e se apresentou:

- Meu nome é Din Din, sou palhaço e gostaria de uma oportunidade para trabalhar no seu circo.

O homem que havia agarrado ele pelo braço era o proprietário do circo e logo olhou torto para ele; parecia conhece – lo. Estava desconfiado, achando que já o tivera visto antes, rodopiando por ali. Mesmo assim, o homem, fazendo – se de sonso, resolveu dar – lhe uma chance no circo.
O espantalho apresentou – se junto com os outros palhaços e as crianças davam muitas risadas com o jeito e a cara dele. Hoje ele é a atração principal do circo.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Susto na biblioteca


Naquela manhã de sábado, resolvi dar uma ajeitada no meu guarda – roupa, quando encontrei uma traça dependurada na minha blusa preferida. Então gritei:
- Que nojo!
Bem, mas o que eu quero contar aqui não é sobre a traça encontrada no meu guarda - roupa, mas o que Ana Júlia me contou o que aconteceu na tarde de ontem.
Na biblioteca

Ana Júlia chegou à biblioteca para devolver o livro que havia emprestado há quinze dias. Se ela não o devolvesse, levaria uma multa. São três dias até que a biblioteca empreste outro livro.
Assim que Ana Júlia chegou à recepção, viu um senhor lendo o jornal, aberto sobre a mesa. Logo, o que chamou sua atenção, foi o sapato que ele usava de cor vermelha.
- Deu para ver por debaixo da mesa, atrás da estante – disse ela.
No dia seguinte, ela foi buscar o livro para pesquisa da matéria de comunicação social, quando avistou novamente aquele senhor do sapato vermelho com o mesmo jornal aberto sobre a mesa.
- Fernanda, achei tão estranho, que fui lá ver. Parecia que estava dormindo. Assim que cheguei perto dele estava com os olhos fechados. Percebi por sobre os óculos. Não se mexia. Esquisito. Tive a idéia de esbarrar na cadeira. Não é que a cabeça dele tombou por sobre a mesa e fez o maior barulho: Tum! Levei um susto. Corri pela biblioteca e chamei o guarda, que verificou que o homem parecia estar morto, então chamaram o resgate.
Caí na gargalhada ao ver a cara dela de assustada me contando essa história, mas em tom de seriedade me disse que o homem tinha morrido ali mesmo.
Voltando às traças, bem, vou ter que limpar o meu guarda – roupa.

Sopa do amor


Esta receita você não pode perder.

Abotoaduras de ouro


Senhor Louveira é motorista da família desde meus quatro anos de idade. Minha tia Laura, sempre teve uma queda por ele. Percebi isto, em visita de outros rapazes que a cortejavam.
O senhor Louveira andava muito agitado naquela tarde, porque não achava as abotoaduras que vivia polindo, antes dos passeios com tio Onofre e tia Palmira.
- Finalmente! – respondeu – me quando perguntei se havia achado as abotoaduras.
- Estavam jogadas na porta do meu quarto – disse ele, aborrecido não entendendo o porquê foram parar lá.
O senhor Louveira tem um quarto nos fundos da casa. Praticamente viveu ali sua vida toda, uma vez que veio do interior, moço de tudo, para tentar a vida na grande cidade de São Paulo.
- Com certeza alguém desistiu de rouba – las e desistiu largando – as ali – disse – me ele, apontando o lugar onde as achara.
Não entendi o pensamento que o senhor Louveira de alguém querer rouba – lo. Para mim, ele se esqueceu de coloca – las deixando – as cair de suas mãos.
Assim que ele entrou no seu quarto, fui atrás dele, e seguida abriu o seu guarda – roupa e pegou um velho boné, cortou o forro dele e enfiou as abotoaduras, e fazendo um pequeno embrulho, com o boné mesmo, entregou para mim.
- A única lembrança que tenho de meu pai, são essas abotoaduras de ouro. Guarde – as para mim que um dia, as pedirei de volta.
Como um bem mais precioso que existia na face da terra, levei com cuidado o pequeno embrulho até o meu quarto, trancando – o com chave, na gaveta da minha cômoda.
Assim passaram – se dois meses e nada do senhor Louveira pedir – me de volta as abotoaduras, quando lembrei a ele naquela manhã de garoa fina.
- Bem lembrado. Entregue – me esta noite, quando pedirei a mão de sua tia Laura em casamento.
Fiquei feliz, porém, não estava surpreso, porque se gostavam e não acabaria em outra coisa, senão serem felizes pelo resto das suas vidas.
Agora, senhor Louveira não é mais o motorista da família e também não usa mais as abotoaduras de ouro. Ganhei - as de presente quando fiz meus quinze anos com os dizeres:
“Felipe use essas abotoaduras numa ocasião muito especial de sua vida, porque elas lhe trarão alegria e prosperidade”.
“Seu amigo, e tio Louveira”.