quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Minha próxima refeição

Da janela do meu quarto, avistei o senhor Barbosa vestindo seu terno de linho de cor cinza. A gravata e sapato pretos combinavam com o branco da camisa. O cabelo emplastado de gel brilhava com a luz do sol e o grisalho quase chegando ao branco, ofuscava meus olhos.
Ao aproximar - se da casa, o senhor Barbosa jogou pela grade do jardim, um doce, que caiu entre as roseiras. Eu sabia que era um doce de abóbora, pois estava envolto em papel celofane de listras coloridas, e que eu adorava comprar no mercadinho do qual ele era o dono. Assim, acenou – me a mão. Recuei da janela de onde eu estava. Mal eu sabia que aquele doce seria... minha próxima refeição...

Papai chegou do trabalho inspirado de felicidade. Nunca tinha visto papai daquele jeito. Disse que haveria uma surpresa para nós.
- Onde está sua mãe? – perguntou papai subindo as escadas apressado.
- Na cozinha – respondi. Eu estava na mesinha da sala fazendo o dever da escola.
Antes de papai chegar eu tinha ouvido um barulho alto e forte do motor de um carro. Fui ver do janelão da sala quando o carro estacionou enfrente a portão de casa. Papai saiu do carro que era de cor vermelha.
- Era essa a surpresa? – me perguntei.
Papai desceu as escadas de banho tomado como em outras vezes. O cheiro do perfume que usava me fazia espirrar e me perguntava se eu estava resfriado.
- Serginho, resfriado de novo? 
Nunca disse ao papai sobre o cheiro forte do perfume, que cheirava a casa toda e também pela mamãe, que gostava do cheiro da lavanda.
- “Papai é muito cheiroso” - dizia mamãe para mim.
Assim, papai entrou na cozinha pedindo para que a mamãe não fizesse o jantar naquela noite.
- Matilde, iremos jantar fora – disse ele.
Rara eram às vezes em que íamos jantar fora, a não ser em dia que acontecesse algo novo, como a compra do carro do papai por exemplo.
Sem o carro, iríamos a pé até ao restaurante do senhor Altamiro, passaríamos no mercadinho do senhor Barbosa e papai compraria o doce de abóbora que eu tanto gostava.
Mas desta vez, foi diferente. Não iríamos ao restaurante do senhor Altamiro, e sim no restaurante de um conhecido que papai fizera amizade recentemente quando fomos à festa de aniversário do priminho Eduardo. Senhor Pedro e papai ficaram de conversa a festa inteira e ele convidou papai para conhecer o restaurante.
Sendo assim fomos naquela noite ao tal restaurante. Passamos desta vez de carro, enfrente ao restaurante do senhor Altamiro e do mercadinho do senhor Barbosa, quando um caminhão em alta velocidade cruzou o semáforo e pegou nosso carro em cheio, do qual deu tempo de eu abrir a porta de trás do carro para me salvar. Imediatamente o carro se incinerou. Não deu tempo dos meus pais se salvarem. Logo, chegaram os bombeiros e a polícia. O policial me levou até a delegacia, e dali fui direto para casa. O senhor Barbosa do mercadinho, viu tudo e telefonou para o irmão do papai, o tio Valdir. Contou o que aconteceu e ele veio me buscar.
Fui dormir sem jantar e tentar entender o que aconteceu. Para mim, meus pais estariam esperando para tomar o café da manhã no dia seguinte.
Só que no dia seguinte, avistei o senhor Barbosa da janela do meu quarto.  Recuei da janela, desci as escadas, e não havia ninguém na casa. Estava sozinho e com fome. Fui ao jardim e procurei o doce entre as roseiras. O doce de abóbora que o senhor Barbosa havia jogado pela grade. Abri o doce e comi. E foi esta, minha próxima refeição.