Da janela do meu
quarto, avistei o senhor Barbosa vestindo seu terno de linho de cor cinza. A
gravata e sapato pretos combinavam com o branco da camisa. O cabelo emplastado
de gel brilhava com a luz do sol e o grisalho quase chegando ao branco, ofuscava
meus olhos.
Ao aproximar - se da
casa, o senhor Barbosa jogou pela grade do jardim, um doce, que caiu entre as
roseiras. Eu sabia que era um doce de abóbora, pois estava envolto em papel
celofane de listras coloridas, e que eu adorava comprar no mercadinho do qual
ele era o dono. Assim, acenou – me a
mão. Recuei da janela de onde eu estava. Mal eu sabia que aquele doce seria... minha
próxima refeição...
Papai
chegou do trabalho inspirado de felicidade. Nunca tinha visto papai daquele jeito.
Disse que haveria uma surpresa para nós.
-
Onde está sua mãe? – perguntou papai subindo as escadas apressado.
-
Na cozinha – respondi. Eu estava na mesinha da sala fazendo o dever da escola.
Antes
de papai chegar eu tinha ouvido um barulho alto e forte do motor de um carro.
Fui ver do janelão da sala quando o carro estacionou enfrente a portão de casa.
Papai saiu do carro que era de cor vermelha.
Papai
desceu as escadas de banho tomado como em outras vezes. O cheiro do perfume que
usava me fazia espirrar e me perguntava se eu estava resfriado.
-
Serginho, resfriado de novo?
Nunca
disse ao papai sobre o cheiro forte do perfume, que cheirava a casa toda e também
pela mamãe, que gostava do cheiro da lavanda.
-
“Papai é muito cheiroso” - dizia mamãe para mim.
Assim,
papai entrou na cozinha pedindo para que a mamãe não fizesse o jantar naquela
noite.
-
Matilde, iremos jantar fora – disse ele.
Rara
eram às vezes em que íamos jantar fora, a não ser em dia que acontecesse algo
novo, como a compra do carro do papai por exemplo.
Sem
o carro, iríamos a pé até ao restaurante do senhor Altamiro, passaríamos no
mercadinho do senhor Barbosa e papai compraria o doce de abóbora que eu tanto
gostava.
Mas
desta vez, foi diferente. Não iríamos ao restaurante do senhor Altamiro, e sim
no restaurante de um conhecido que papai fizera amizade recentemente quando
fomos à festa de aniversário do priminho Eduardo. Senhor Pedro e papai ficaram
de conversa a festa inteira e ele convidou papai para conhecer o restaurante.
Sendo
assim fomos naquela noite ao tal restaurante. Passamos desta vez de carro,
enfrente ao restaurante do senhor Altamiro e do mercadinho do senhor Barbosa,
quando um caminhão em alta velocidade cruzou o semáforo e pegou nosso carro em
cheio, do qual deu tempo de eu abrir a porta de trás do carro para me salvar. Imediatamente
o carro se incinerou. Não deu tempo dos meus pais se salvarem. Logo, chegaram
os bombeiros e a polícia. O policial me levou até a delegacia, e dali fui direto
para casa. O senhor Barbosa do mercadinho, viu tudo e telefonou para o irmão do
papai, o tio Valdir. Contou o que aconteceu e ele veio me buscar.
Fui
dormir sem jantar e tentar entender o que aconteceu. Para mim, meus pais
estariam esperando para tomar o café da manhã no dia seguinte.
Só
que no dia seguinte, avistei o senhor Barbosa da janela do meu quarto. Recuei da janela, desci as escadas, e não
havia ninguém na casa. Estava sozinho e com fome. Fui ao jardim e procurei o
doce entre as roseiras. O doce de abóbora que o senhor Barbosa havia jogado
pela grade. Abri o doce e comi. E
foi esta, minha próxima refeição.