terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Florisbela



 Era uma vez uma menina
que quando alguém tossia
ela dizia:
Que nojo!

Ou quando alguém
espirrava,
ela falava:
Que nojo!

Até que um dia, ela encontrou um príncipe encantado.

Assim que o príncipe
soltava um atchim,
ela pegava o lenço
para ele limpar o nariz.

Ou quando o príncipe
tomava um prato de sopa,
ela pegava um guardanapo
para ele limpar a boca.

E assim ela esqueceu de dizer: “Que nojo!” pra tudo.
Sabe porquê? Por que ela se apaixonou.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Palavração

Participação com a historinha: "Correu... bateu... morreu..." 
que poderá ser lida na postagem de 25/09/2015.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Da janela do meu carro


Acordei pela manhã com um rápido beijo com gosto de café e batom sabor morango. Era assim todas as manhãs quando saía para o trabalho e Darlene vinha à nossa cama me acordar. Porém hoje o dia seria diferente ou igual como em todos os anos. Dois de novembro, dia de finados.
- O café tá pronto, é só se servir. Vou buscar minha mãe pra gente ir ao cemitério.
Detestava este dia. Não era de costume mas com a vó Sônia, iríamos de carro.
Levantei – me, tomei banho e depois de tomar um gole de café, fui ao quarto da Carol. Passei a mão em se rosto e ela resmungou, pois minha mão estava gelada.
Da janela da sala vi a vó Sônia – é como eu chamo a minha sogra – entrar no carro. Como em todo dia de finados, uma garoa fininha caía lá fora.
- Você já poderia ter tirado o carro, né bem?! - disse eu à Darlene.
- Bom dia, pelo menos!
- Bom dia, vô Soninha – disse à vovó, sem ligar para Darlene.
- Êta feriado – pensei comigo - esse é um dia em que no dia seguinte a gente vira um trapo, e que a gente pensa que é nada e por aí vai.
Chegamos à porta do cemitério, e uma fila de carros nos esperava.
- Meus Deus, é fila pra tudo.
- Não reclama vai – me disse Darlene batendo a porta do carro.
- Onde você vai Darlene?
- Vou comprar as flores, a gente se encontra lá.
Olhei pelo retrovisor do carro e vi vovó Soninha soando o nariz com o lenço do vô Alfredo. Vovô tirava o lenço do bolso detrás das calças, não sei quantas vezes por dia, aquele mesmo lenço xadrez que parecia ser o único.
Vovô – era assim que chamava meu sogro – havia falecido fazia dois meses e vovó não desgrudava do tal lenço.
Aos poucos, adentrávamos no cemitério. A guarda municipal, assegurava todos que estavam por lá. Policiais também circulavam a área mas eram do Coral da Polícia Militar de São Paulo que se apresentam no Mausoléu todos os anos em reverencia à memória dos policiais mortos no cumprimento do dever.
O tempo havia estiado e um raio de sol me deixou mais alegre. Quase pensei em desistir, mas vendo a vovó no banco de trás, realmente não teria jeito.
Aos poucos, os carros acomodavam – se estacionando nas ruas estreitas e as pessoas, queixavam – se:
- Que absurdo todos esse carros aqui dentro que não tem nem como a gente andar direito.
Não eram só os carros, haviam poças d' água por todo o cemitério e isso também dificultava a circulação dos visitantes.
- Como está isso! - disse eu em voz alta.
- O quê?
- Eu disse que estamos quase chegando vovó – respondi.
E enquanto o quase não chegava, fui lendo através da janela do carro, as placas com datas de nascimento e de morte e nomes de famílias como
Oliveira, Castro, Bauducci, importantes nomes dentro da sociedade.
O que me chamou a atenção foi de uma placa com o dia e o mês do meu nascimento: 11 de agosto. Porém o ano era de 1.886.
- Olha vovó, a data do meu nascimento – falei apontando para a placa que vi da janela do meu carro.
- O quê?
Entre o ano do meu nascimento com o do falecido havia calculado a diferença de 72 anos.
- 1.958 menos 1.886 igual a 72 anos.
- O quê?
- Nada não vovó.
E segui os cálculos: 1.886 pra 2.015.
- Noooosssa, ele ou ela nasceu à 129 anos atrás.
- O que vocề disse filho?
- Nada não vó. É uma pessoa que nasceu há 129 anos atrás, tá enterrada aqui neste cemitério. Como é antigo aqui né vó?!
Finalmente havíamos chegado. Estacionei o carro o mais próximo que pude do túmulo, e mais uma quadra deixaria vovó bem à porta.
Avistei Darlene colocando o vaso de flores amarelas sobre o túmulo. Ajudei vovó a sair do banco detrás do carro e vovó já procurava um lugar para se sentar.
- Darlene, não vamos demorar por favor. Aliás onde é o banheiro?
Eu estava apertadíssimo.
- Na administração - respondeu Darlene, apontando em direção à porta principal do cemitério.
Passei pela guarda e um rapaz também perguntava onde ficava a administração.
Resolvi falar com ele:
- Você também procura pela administração?
- É. A guarda disse que é nessa direção virando à direita.
- Você também vai ao banheiro?
- Não, vou perguntar onde é o túmulo da família dos meus avós que se esqueceram onde fica.
- Ah!
Chegamos à administração que estava lotada. Logo avistei a porta do banheiro.
Na volta ao túmulo onde Darlene e vovó estavam, coisas estranhas ocorreram. Percebi um senhor sentado sobre um dos túmulos recitando alguns versos que eu acreditava ser de Mário Quintana:
Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
Já, uma outra senhora que passava pelos túmulos, repetia:
São todos abençoados
São todos abençoados
E eu pensava com os meus botões, a maneira com que cada pessoa homenageava seus entes queridos.
De repente como do nada, uma voz chegou aos meus ouvidos:
Se dez vida eu tivesse, dez vida eu daria”.
- Quem disse isso? - perguntei procurando por alguém que estivesse ali por perto.
- Sou eu! Não foram essas as palavras de Tiradentes antes de morrer enforcado em praça pública no ano de 1.792?
A placa estava lá, bem debaixo do pé dele: 11/08/1.886.
- Você vê? Nascemos no mesmo ano e agora estamos aqui.

Custou a entender do que se tratava, mas percebi que era “coisa do além” e assim tratei de sair dali o mais rápido possível.
- Ei onde você vai? - ele me perguntou.
Sem que eu olhasse para trás, ouvi ele dizer:
- Quer saber, vou embora também.
Virando as costas para ver para onde ele estava indo, reparei que ele havia sumido para dentro do túmulo através da porta.
Suando frio, cheguei onde vovó e Darlene estavam. Assim que contei essa história para Darlene, ela não acreditou e disse que eu havia bebido.
Depois que o susto passou, tudo o que sei é que às vezes, não só em dia de finados mas sempre que eu posso, dou uma passadinha no túmulo do falecido Homero da Cunha, que agora sei o nome, e fico a espera de que ele um dia apareça para a gente quem sabe, bater um papo.