segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Senha 596064

Bruna C., patricinha. É assim como chamam Bruna no colégio. Ela se levantou da cama naquela sexta - feira fazendo a maior bagunça no quarto. Quem a vê, pensa que ela é uma pessoa organizada, toda ajeitadinha, mas adora fazer uma baguncinha, como diz a mãe dela, dona Jussara. Mas o que todos não sabem, é que apenas cinco números mudaria o jeito de ser de Bruna C., a patricinha.

- Quem diria?! – disse a mãe da Bruna em tom irônico.
- É, mas temos que dar um jeito na vida desta garota – disse o senhor Cintra, disposto a mudar radicalmente a vida da pequena Bruna. Pequena por ser uma menina frágil, quase sem apetite, disposta a não engordar para manter sua forma física, talvez por vaidade ou para não ficar igual às amiguinhas da escola que se empanturram com as guloseimas da cantina ou fins de semana nas lanchonetes dos shoppings. Que não conseguem durante as aulas de educação física, dar uma corridinha em volta da quadra, que logo se cansam. Ela não.
Bruna só bebe suco natural, não toma refrigerante de maneira alguma. No momento, Bruna frequenta aulas de tênis e desfila no apartamento, que tem um espelho enorme no corredor para ela se exibir - para ela mesma – os looks, que ela combina em cores e estilos: de rock, punk, gótico, princesa, cinderela.  Usa maquiagem que quando o senhor Cintra a vê, faz com que ela tire na hora.
Bruna C. é doida por moda. Pega todas as revistas da dona Jussara e fica o dia todo desenhando as figuras das modelos.
Naquele dia vi quando o senhor Cintra trouxe a pasta executiva do trabalho. Acho aquela pasta legal, porque tem uma trava de segurança onde se coloca uma senha, que se você não souber os números, a pasta não abre. É como um cofre.
Mas o senhor Cintra não usa senha deixando – a desprotegida para quem quiser ver o que tem dentro.
Eu sei por que vejo a Bruna – logo quando o pai chega do trabalho em que ele coloca a pasta sobre a mesa de jantar e Bruna a abre facilmente, sem precisar colocar a senha, nem nada.
- Não mexe aí Bruna Cintra. Se o seu pai te pega... - eu aviso, antes que o pai de Bruna pressente que ela esta ali revirando a pasta  e dá a maior bronca nela.
- Olha só Beto, que caneta. Não é bonita?
Muitas vezes eu a vi fazer isso. Mas naquele dia foi diferente.
Bruna foi para abrir a pasta executiva e não conseguiu. Dei risada que quase urinei nas calças de tão engraçado que foi.
Ela ficou nervosa... Tentou erguer a pasta, mas não conseguiu de tão pesada.
- O que será que tem dentro dela?
Curiosa, Bruna foi perguntar ao pai o que havia dentro da pasta.
- Bruna desta vez você não conseguiu ver o que tem dentro?
- O que tem dentro papai? Não consegui abrir. É aquilo que eu estou pensando?
- É sim, mas parece que você não merece esse presente. Sua mãe reclama que você não coloca as coisas no lugar: roupa jogada pelo corredor, seu quarto sempre uma bagunça. Você não vai acreditar o que aconteceu comigo outro dia quando entrei no seu quarto: levei um tropeção naquela raquete de tênis que quase, eu disse quase dei de nariz no chão...
Quando o senhor Cintra disse que havia tropeçado na raquete, me segurei para não rir. Coloquei a mão na boca e saí de fininho porque eu sei que o bicho ia pegar naquele instante.
- Até amanhã Bruna, te vejo na escola.
- Tchau, Beto.
Depois que o amigo e vizinho da Bruna saiu porta afora dando boa noite a todos, o pai de Bruna deu a ela um sermão e tanto.
- E por falar em tênis, acho que vou cancelar as aulas porque sua mãe disse que a senhorita não tem descido até à quadra para tomar aulas com o professor Vitor. Você pensa que o meu dinheiro é capim?
- Não - respondeu Bruna toda chorosa.
O senhor Cintra sempre gostou de futebol, mas acha o tênis um esporte requintado, feminino. Que o tênis, não é para qualquer pessoa, que não são todos que podem aprender um esporte como este. E outra coisa, no condomínio tem uma quadra, porque não aproveitar. Por isso colocou Bruna nas aulas achando que a filha fosse gostar do esporte. Ele mesmo tomou umas aulas particulares.
- E aí Bruna, você não diz nada?! – disse o pai - vamos jantar vai...

- E o meu notebook? – perguntou Bruna.
- O jantar está na mesa – gritou dona Jussara da cozinha.
- Vamos jantar Bruna, depois a gente conversa – disse o senhor Cintra irado com Bruna.
Depois que todos jantaram, foram para a sala de estar. Dona Jussara ligou a TV para assistir a novela e o senhor Cintra pegou a pasta executiva que estava sobre a mesa e disse à Bruna, mostrando a pasta:
- Eu gostaria que você soubesse um pouco mais sobre o esporte que eu tanto gosto. Você sabia que uma tenista brasileira foi tricampeã em Wimbledon?
- Não, não sabia? Só sei que o Guga comia muita banana nos torneios para não dar câimbras.
O senhor Cintra ao ouvir o que Bruna disse, disfarçou para não demonstrar graça, e ficou mais sério quando falou da senha.
- Vai ser difícil você abrir essa pasta desta vez porque coloquei uma senha, e como você tem tudo de mão beijada ...
-Como assim? - perguntou Bruna sem entender nada.
- Mão beijada, tudo fácil. Você tem de tudo e desta vez não vai ter moleza. Para ganhar seu notebook, é preciso pesquisar.
- Pesquisar o quê se eu não tenho meu próprio computador...
- Se vira, usa o da escola. Na escola não tem biblioteca?
- Tem. Que saco!
- Então, a pesquisa é sobre Maria Esther Bueno e os anos em que ela foi tricampeã. A pasta não vai sair daqui. Ela será sua depois que você souber a senha que são os dois últimos números dos anos que Esther Bueno ganhou os torneios.
Bom, só sei que na semana seguinte, Bruna C. me contou sobre a brincadeira que o senhor Cintra fez com ela.
- Então, a senha de seis números foram os anos em que a Esther Bueno ganhou os torneios em Wimbledon na Inglaterra?
- Isso mesmo Beto. Ele disse que só assim a gente aprende e que não é só praticar o tênis mas saber sobre as vitórias conquistadas dentro deste esporte e quem fez o esporte acontecer.

Bruna C. é uma pessoa melhor: aprendeu que as coisas não são tão fáceis como se parecem. Prometeu não fazer bagunça no quarto dela. Dedicou – se mais ao tênis tanto que participou de campeonatos e recebeu medalhas. Mas o que ela gosta mesmo é de desenhar, tanto que pretende entrar na faculdade de moda para ser uma consultora de imagem e personal stylist.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Eleonora, a bibliotecária

Sobrecarregada, muito dedicada, dos livros o pó ela tirava.
A bibliotecária arrumava, derrubava, amassava as capas de livros que não saiam das suas mãos, já cansadas, coitada...
Desesperada, se retirava para almoçar; ainda tinha o resto do dia para trabalhar. Já não aguentava mais ver todos aqueles livros nas enormes estantes da biblioteca.
E se alguém chegasse perto de algum daqueles livros, logo perguntava:
- O senhor procura o quê para ler? 
Então ela corria até o computador para pesquisar no sistema da biblioteca o assunto, título ou autor do livro para ser emprestado.
- Está aqui anotado: 791.456 P295t 2. Ed ex. 3, segundo corredor à direita.
Finalmente chegou a hora de Eleonora bater o cartão de ponto. Este foi o seu último gesto dentro daquela biblioteca. Porém minutos antes, ela fez o que planejava fazer durante anos.
No dia seguinte, apareceu em todas as manchetes de jornais, a seguinte notícia para quem quisesse acreditar:

BIBLIOTECÁRIA INCENDIOU
 A BIBLIOTECA

Texto desenvolvido na oficina de escrita Vôos Literários com Jorge Antônio Ribeiro da Silva

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Sarau


                       
O Senac enviou aos participantes, os agradecimentos.O Sarau aconteceu no dia 14 de agosto no espaço central da unidade Scipião na Lapa. Este blog participou com as poesias: “Resto de Mim”, “Melissa” e “Naomi”; “Strong” e “Sonho de Estela”, versos cantados que podem ser ouvidos através 
do www.facebook.com/lfatimasilva
 


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Minha próxima refeição

Da janela do meu quarto, avistei o senhor Barbosa vestindo seu terno de linho de cor cinza. A gravata e sapato pretos combinavam com o branco da camisa. O cabelo emplastado de gel brilhava com a luz do sol e o grisalho quase chegando ao branco, ofuscava meus olhos.
Ao aproximar - se da casa, o senhor Barbosa jogou pela grade do jardim, um doce, que caiu entre as roseiras. Eu sabia que era um doce de abóbora, pois estava envolto em papel celofane de listras coloridas, e que eu adorava comprar no mercadinho do qual ele era o dono. Assim, acenou – me a mão. Recuei da janela de onde eu estava. Mal eu sabia que aquele doce seria... minha próxima refeição...

Papai chegou do trabalho inspirado de felicidade. Nunca tinha visto papai daquele jeito. Disse que haveria uma surpresa para nós.
- Onde está sua mãe? – perguntou papai subindo as escadas apressado.
- Na cozinha – respondi. Eu estava na mesinha da sala fazendo o dever da escola.
Antes de papai chegar eu tinha ouvido um barulho alto e forte do motor de um carro. Fui ver do janelão da sala quando o carro estacionou enfrente a portão de casa. Papai saiu do carro que era de cor vermelha.
- Era essa a surpresa? – me perguntei.
Papai desceu as escadas de banho tomado como em outras vezes. O cheiro do perfume que usava me fazia espirrar e me perguntava se eu estava resfriado.
- Serginho, resfriado de novo? 
Nunca disse ao papai sobre o cheiro forte do perfume, que cheirava a casa toda e também pela mamãe, que gostava do cheiro da lavanda.
- “Papai é muito cheiroso” - dizia mamãe para mim.
Assim, papai entrou na cozinha pedindo para que a mamãe não fizesse o jantar naquela noite.
- Matilde, iremos jantar fora – disse ele.
Rara eram às vezes em que íamos jantar fora, a não ser em dia que acontecesse algo novo, como a compra do carro do papai por exemplo.
Sem o carro, iríamos a pé até ao restaurante do senhor Altamiro, passaríamos no mercadinho do senhor Barbosa e papai compraria o doce de abóbora que eu tanto gostava.
Mas desta vez, foi diferente. Não iríamos ao restaurante do senhor Altamiro, e sim no restaurante de um conhecido que papai fizera amizade recentemente quando fomos à festa de aniversário do priminho Eduardo. Senhor Pedro e papai ficaram de conversa a festa inteira e ele convidou papai para conhecer o restaurante.
Sendo assim fomos naquela noite ao tal restaurante. Passamos desta vez de carro, enfrente ao restaurante do senhor Altamiro e do mercadinho do senhor Barbosa, quando um caminhão em alta velocidade cruzou o semáforo e pegou nosso carro em cheio, do qual deu tempo de eu abrir a porta de trás do carro para me salvar. Imediatamente o carro se incinerou. Não deu tempo dos meus pais se salvarem. Logo, chegaram os bombeiros e a polícia. O policial me levou até a delegacia, e dali fui direto para casa. O senhor Barbosa do mercadinho, viu tudo e telefonou para o irmão do papai, o tio Valdir. Contou o que aconteceu e ele veio me buscar.
Fui dormir sem jantar e tentar entender o que aconteceu. Para mim, meus pais estariam esperando para tomar o café da manhã no dia seguinte.
Só que no dia seguinte, avistei o senhor Barbosa da janela do meu quarto.  Recuei da janela, desci as escadas, e não havia ninguém na casa. Estava sozinho e com fome. Fui ao jardim e procurei o doce entre as roseiras. O doce de abóbora que o senhor Barbosa havia jogado pela grade. Abri o doce e comi. E foi esta, minha próxima refeição.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Picasso pintou Modigliani

Saí da aula sobre a história da arte onde a professora divagava entre a imponência de Picasso e a poesia de Modigliani.
Sem desprezar Modigliani, realmente Picasso para mim, era o mestre. Todos em particular eram geniosos, de personalidade forte.
Quando vi a Bia desenhar, perguntei que rabiscos eram aqueles.
- Modigliani – me respondeu.
- E você Leila tá desenhando o quê? Um cavalo?
Bem, não era um cavalo que eu desenhava, mas também não era um... Modigliani. Na hora em que a professora ficou de pé ao lado da minha mesa me dizendo que o desenho que fiz estava bonito, foi nesta hora que comecei a me interessar pela arte. Estudei os grandes gênios da pintura como Monet, Degas, os brasileiros Edi Cavalcante e Tarsila do Amaral. Agora entendo por que Picasso pintou Modigliani. Coisas de gênio!

terça-feira, 1 de julho de 2014

Adélia

Adélia tinha seu cabelo todo espetado.  Assim que chegava à escola, as coleguinhas de classe riam da sua cara. 
- Lá vem Adélia com cabelo de vassoura piaçava. Adélia ficava toda desajeitada. Não sabia por que seu cabelo ficava daquele jeito.
- A mãe de Adélia contou que ela escova os cabelos todos os dias, que não sai da frente do espelho – disse Alice para a Berenice.  Mas um dia, tudo isso teve um fim. A mãe de Adélia a levou em um salão de beleza. Contou para a cabelereira o que se passava com Adélia na escola.
- Deixa de besteira dona Teresa.  Adélia vai sair daqui feito uma princesa.
Adélia não queria mudar o corte do seu cabelo. Gostava dele daquele jeito, espetado como um espeto. Mas também, não gostou quando disseram que parecia um porco espinho com aquele cabelo todo espetadinho. 
E Adélia cortou o cabelo. Com o cabelo de lado, ela achou engraçado, mas com a franja na testa, disse a todos que estava pronta para festa, que a tia Roberta daria, porque Adélia concordou em cortar o cabelo e acabar com toda aquela zombaria na escola. 

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Dois irmãos

Meu irmão Flávio chegou à nossa casa dizendo ter passado da casa dos irmãos Ronald e Diana para fazer uma visita. Realmente, há muito tempo não víamos os dois irmãos. Eu mesma passei muitas vezes por lá e ficava a tarde toda conversando com eles. Diana foi minha colega do ginásio ao colegial. Foi no vestibular que nos separamos. Eu optei pela área de humanas e ela queria medicina. Disse que queria ser médica neurologista, para cuidar melhor do pai que se encontrava com o Mal de Alzheimer, prometendo até descobrir a cura para essa doença tão ingrata, que gera graves transtornos à vida da pessoa trazendo sofrimento. Passou quatro anos de sua vida tentando passar no vestibular para medicina, mas o que conseguiu foi se formar como advogada. Seu pai - coitado - acabou mesmo, morrendo de dengue hemorrágica. Como a vida é engraçada.
Flávio, disse ter batido várias vezes à porta da casa e soubera através de vizinhos, que os dois irmãos não moravam mais ali, e que dona Veridiana mãe deles, havia falecido recentemente. Não fiquei contente com toda essa história. Fui lá pessoalmente num horário quase a tardezinha. Toquei a campainha e ninguém atendeu. O número do telefone – que eu havia tentado ligar por diversas - ninguém atendia. Esse número de telefone ficou durante anos na minha memória, também, era igual ao de casa, era só inverter os dois últimos números.
Cheguei à casa dos dois irmãos. Parecia abandonada.
A garagem toda empoeirada, estava cheia de
correspondências, folhetos de supermercado, pizzaria, jornal e revista do bairro. Lembrei – me de dona Veridiana. Ela, nunca aceitaria uma situação dessas, de completo abandono. Varrendo todo o tempo, deixava a casa sempre limpa. Num gesto impensado, coloquei a mão na maçaneta do portão. Estava revoltada com o que vi, e para minha surpresa, o portão se abriu. Outra coisa era o portão sempre trancado. Dona Veridiana tinha medo de ficar sozinha e zelava pela segurança dela e da casa.

Repeti o gesto na porta de entrada. Ela se abriu e encontrei uma casa vazia. Baratas andavam vagarosamente pelo chão da sala. Havia cheiro de mofo e esgoto por toda a casa. Papéis amassados outros rasgados, via – se que ninguém ia lá há algum tempo. Deu para ver que eram folhas de caderno e livros.
Abri a porta do quarto em que eu lembrei ser de Diana. Confidências foram trocadas ali entre mim e ela na nossa adolescência. Olhei para o chão. Estava repleto de fotos, e a primeira que eu peguei foi justamente aquela em que estávamos eu, Diana e Ronald. Fo tirada na festa de aniversário dela, quando fez dezoito anos. Levando – a comigo sobre o peito, encostei a porta. Senti naquele instante que meus olhos estavam cheios de lágrimas.
Contei o que vi para o Flávio, e disse:
- Vamos à delegacia, precisamos de respostas. Parece que ninguém sabe de nada. Não conhecemos nenhum parente?! Tem aquela prima dela, mas não sei onde mora. Fica difícil saber o que realmente aconteceu.
No dia seguinte antes de ir para o serviço, Flávio passou enfrente à casa dos dois irmãos, quando viu uma placa supostamente colocada pela imobiliária. A casa estava à venda. Ele pegou o celular e na mesma hora disse ter ligado para a imobiliária.
Soubemos que os irmãos foram para o sul da Inglaterra, por conta de uma herança onde ficariam milionários, e assim não voltariam para o Brasil.
- Pois é, good bye, bye, bye – dissemos eu e Flávio ao mesmo tempo em que caímos na gargalhada.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Historinhas do blog


Leia e divirta - se!

Vitoriosa

Desde criança os pais de Fabíola levavam - na para passar as férias escolares na praia da Enseada no Guarujá, litoral de São Paulo.
Os tios Alfredo e Mariana adoravam quando Fabíola chegava toda alegre vestida no seu maiô preto de nadadora. Saia do carro, e a primeira coisa que falava:
- Vamos nadar?
Fabíola nem sabia nadar direito e o mar sempre foi um lugar perigoso. Mas foi no mar que ela aprendeu a dar suas primeiras braçadas. Tá certo que uma vez ela quase se afogou. Bateu uma onda muito forte virando Fabíola de cabeça para baixo. Se não fosse eu estar perto dela  e agarra – lá, nem sei...
Ficamos um bom tempo sem nos vermos, e Fabíola não procurou saber como eu estava. Sabia a respeito dela indo algumas vezes ao apartamento dos tios Alfredo e Mariana. Era assim que os tratava carinhosamente, como se fossem meus tios.
Mas, voltando a falar do tempo, muitos anos se passaram. Fiquei noiva e me casei. Meus pais foram morar na capital e eu fiquei aqui mesmo, morando no Guarujá.
Grávida do meu primeiro bebê, nesta mesma época, Fabíola reapareceu. Era quase uma mulher. Lembrei-me de quando íamos tomar sorvete no centrinho. Fabíola era uma menina mimada.
Soube que sua mãe, dona Odete, morrera de doença grave, e devido à enfermidade não pudera comparecer na última competição em que ela bateu o recorde dos 100 metros nado livre, faturando a medalha de ouro.
Fabíola foi campeã por diversas vezes nesta modalidade. Participava de vários campeonatos entre clubes e competições fora do país. Chegou a participar de uma Olímpiada, certa vez.
Tudo isso me contou quando veio me mostrar a medalha de ouro. Coisa mais linda a medalha com fita nas cores azul e branca.
Estávamos na praia quando ela se levantou e encaminhou – se até a beira do mar. Arremessou a medalha com força na água e com raiva também, provavelmente lembrando-se do fato da sua mãe não ter podido ir à competição para vê - la chegar ao primeiro lugar e pedindo naquele instante ao mar, que levasse a medalha para bem longe dali.
Fabíola foi embora. Achei que tivesse compreendido o seu ato.
No dia seguinte, andando a beira da praia, vi algo dourado brilhando na areia. Com uma das mãos, tentei desenterrar para ver o que era. Para minha surpresa, era a medalha de Fabíola.
Lembrei-me dos finais de tarde em que a mãe de Fabíola trazia a filha para dar “umas braçadas” no mar. Mãe zelosa, dona Odete esperava – a com a toalha nas mãos, para poder enxugar os cabelos compridos que Fabíola – eu não sabia como – conseguia enfiar dentro da tôca feita de borracha. Dona Odete nesta época tratava Fabíola como uma campeã. O mar foi e devolveu a medalha parecendo ter visto isso tudo.
Fui até a capital devolver a medalha de ouro pessoalmente à Fabíola.
- Rose, nem sei como agradecer, e obrigada por você lembrar da minha mãe – disse dando – me um forte abraço.
  Hoje, sou mãe de uma menina. Levo minha filha à praia para dar “umas braçadas” no mar, e me lembro de Fabíola, agora uma vitoriosa: pela volta em suas mãos da medalha de ouro e a superação da dor que sentiu, pela perda de sua mãe, dona Odete.


sexta-feira, 25 de abril de 2014

Mohamed

Uma historinha das arábias

Ele chegou ao Brasil com quinze anos de idade. O pai dele, o senhor Mustafá estivera em outras ocasiões na cidade de São Paulo, e foi assim, numa destas visitas, que conheceu Zulmira, mãe de Mohamed. Casou – se aqui mesmo em território brasileiro e levou – a para Riade capital e maior cidade da Arábia Saudita.
Portanto, Mohamed é filho de um árabe com uma brasileira.
Desta vez, o senhor Mustafá, trouxera a família toda. Foi intimado pelos irmãos mais velhos para trabalhar nos negócios da família. Do outro lado do mundo também, a vida do senhor Mustafá não andava muito “bem das pernas”.
Ao chegar aqui no Brasil, Mohamed acostumou – se rapidamente. Cresceu junto com os primos. Os pais dele nem haviam percebido, mas o tempo passou. Mohamed quase adulto quis ser diferente dos primos e amigos que o rodeavam na comunidade árabe, por isso resolveu sair de casa. Como disse Dona Zulmira:
- Para aventurar – se.
As palavras foram muitas, para convence – lo a ficar em casa morando e fazendo vida com os pais. O futuro dele estava garantido, mas nada o fizera mudar de ideia.
Saiu de casa para morar numa pensão logo que arranjou um trabalho de repositor de mercadoria num pequeno supermercado. Resolveu mudar – se para perto do emprego porque facilitaria bastante sua ida e vinda, não precisando tomar conduções lotadas. Dava para ir e voltar a pé.
E foi assim que conheci Mohamed: dentro do supermercado colocando maçãs na prateleira, até cair uma delas no chão.

A maçã rolou por uma ou duas vezes, até eu pega – la do chão e entrega - la nas mãos de Mohamed.
- Obrigado.
Agradeceu – me, colocando a maçã delicamente no lugar como se fosse uma pedra preciosa. Antes que me desse às costas, observei o rosto dele. Os olhos de cor preta, a pele da cor de um moreno diferente. Li o nome escrito no crachá.
Institivamente pronunciei:
- Mohamed.
- Pois não!
- Quem te deu esse nome?
- Meu pai – respondeu – me secamente, dando – me as costas novamente, para continuar o seu trabalho na prateleira.
No outro dia, ele estava lá.
- Bom dia, Mohamed.
- Bom dia senhorita.
Como é gostoso pronunciar esse nome, pensei.
- Morraamed – disse em voz alta.
- Pois não senhorita.
- Não é nada – respondi.
Arrisquei dizer:
- Não vai me dizer que você veio das arábias...
Ele riu e me disse:
- Eu vim das arábias sim, mas é uma longa história.
Percebi o sotaque de árabe, que soavam aos meus ouvidos como um som agradável. Lembrei-me da cidade de Bagdá, as historinhas de Ali Babá, Sherazade e as Mil e Umas Noites e então me engracei.
Ficamos um bom tempo sem nos vermos até que um dia entrei na lanchonete ao lado do supermercado. Mohamed estava sentado numa das mesas com o cardápio nas mãos. Como a lanchonete estava lotada, assim que ele me viu, me convidou para sentar à mesa junto com ele. Pedimos dois sucos e X- burgers.
Entre perguntas e respostas, compreendi toda a sua história, sempre me chamando a atenção, o sotaque dele.
Para minha surpresa, ele perguntou:
- Gostaria de aprender o alfabeto árabe?
Sem ter como negar e aprender nunca é demais, aceitei.
- Aprender não só idioma árabe, mas outras línguas aproximam os povos, faz conhecer gente – me disse.
Encontramos - nos por diversas vezes na lanchonete.
 No final das aulas ele me contou que o sonho dele é de ser um calígrafo, e os que os pais dele com isso, ficarão orgulhosos... 

segunda-feira, 24 de março de 2014

Castigo dos deuses


Era mais um dia de aula onde estudávamos sobre a história da mitologia grega quando Fabiana virou - se e me disse que havia uma ”coisa” grudada no meu nariz. Achei que fosse brincadeira e não me importei, pois prestava atenção na aula.
- E é vermelha – ela me disse.
Quando cheguei à minha casa, minha mãe disse a mesma coisa:
- Filha, que “coisa” é essa no seu nariz?
Joguei a mochila sobre a cama e fui ao banheiro me olhar no espelho. Tinha aspecto de uma bola, grande e feia: era a minha primeira espinha.
- Bem na ponta do nariz! – e me pus a chorar porque meu nariz estava inchado e vermelho. Logo começou a doer. Apareceram muitas outras espinhas no meu rosto. Ficava com vergonha de ir à escola. Meus amigos ririam da minha cara.
Mamãe havia dito que era por causa da puberdade, uma coisa normal, mas tinhamos que tratar. Levou – me à dermatologista, médica que cuida da pele da mamãe. Chegamos ao consultório e nunca tinha ido a uma consulta na dermato.
Doutora Marília me disse para que eu evitasse o chocolate:
- Mas eu adoro chocolate!
Que eu também evitasse comer salgadinhos, frituras.
- Mas eu adoro as coxinhas da cantina da escola...
E que eu tomasse muita água e evitasse pegar o sol forte do meio – dia.
- Oh, não! Isso é castigo dos deuses – falei.
- Angélica, até você ficar melhor. Faça o tratamento: lave bem o rosto com sabonete, use a loção de limpeza e passe o protetor solar, tá tudo escrito nesta receita médica. E o mais importante: não esprema as espinhas para não infeccionar e deixar marcas na pele – disse – me a doutora.
- Tá bom - respondi.
Saí do consultório disposta a fazer o tratamento direitinho. E valeu a pena.
Hoje minhas colegas de escola tem inveja da minha pele, assim como a deusa Hera que tinha inveja da beleza de Afrodite, uma das deusas mais belas da mitologia grega.

terça-feira, 11 de março de 2014

O fantasma e a armadura


Desde que começou o ano letivo, Rodrigo ficava imaginando como seriam as férias escolares no meio do ano.
- Rodrigo, agora é a sua vez de soletrar a palavra EXCESSÃO.
- Como professora?!
Era assim em todas as aulas. Em sua cabeça, Rodrigo planejava uma maneira de acabar com aquela armadura que ficava exposta no saguão do Grand Hotel Royale localizado no centro de Capivarí na cidade de Campos do Jordão, o point da estação de inverno em São Paulo.
Os pais de Suzi, colega de escola de Rodrigo, sempre combinavam com os pais dele, de irem viajar no mês de Julho. Só assim poderiam usufruir juntos, a estadia no hotel pela metade do preço, isso porque Suzi tinha um grau de parentesco com o dono do hotel, o senhor Bartolomeu, e que Rodrigo o chamava carinhosamente de tio Bartô.
Finalmente chegaram as férias e hospedaram - se no Grand Hotel Royale. A armadura feita de metal estava lá. Parecia mais brilhante desde que Rodrigo a viu pela última vez; mas o ar de imponência da armadura, o deixava com mais raiva. Mas, por que toda essa vontade de Rodrigo em querer acabar com aquela pobre armadura, que não poderia fazer mal a ninguém...

AS FÉRIAS DO ANO PASSADO
Relembrando o que aconteceu nas férias do ano passado, qualquer pessoa entenderia o motivo. Rodrigo passava pelo saguão do Grand Hotel Royale no horário do café da manhã. Ele estava feliz porque andaria de teleférico, iria patinar na pista de gelo. Mais tarde, fariam compras nas lojas do centro, e o que mais gostava de fazer: degustaria a fondue de queijo no restaurante do tio Aluísio, à noitinha.
Rodrigo não perdoou a luva da armadura que bateu em sua cabeça, deixando – o com um calombo e fizesse com que o passeio daquele dia fosse por “água abaixo”, ficando seus pais presos no quarto do hotel para poder cuidar dele.
- Mamãe, minha cabeça dói – disse Rodrigo aos prantos.

DE VOLTA AO PLANO DE RODRIGO
Rodrigo faria com que a armadura, ficasse em pedaços. Colocaria o cachecol - aquele compridão - que dava voltas em seu pescoço, em volta da bota numa das pernas da armadura. Um nó bem atado e um puxão fariam o resto. Imaginando - a despedaçada pelo chão do saguão do hotel, pôs - se a rir. Suzi se assustou, achando que seu amigo estava ficando maluco, rindo sozinho sem saber do quê.
E assim aconteceu. Todos foram para o restaurante do hotel, tomar o café da manhã. Rodrigo inventou que iria à recepção dar bom dia ao tio Bartô. Sua mãe concordou que ele fosse e disse para que deixasse o cachecol com ela, porque não estava tão frio para usa – lo. Rodrigo fez que não ouviu. Seguiu até à recepção passando pelo saguão onde encontrava – se num dos cantos, a armadura.

O PLANO DE RODRIGO NÃO DEU CERTO
Logo, Rodrigo estava ao pé da armadura, enrodilhando o cachecol na bota, e atando o nó para então puxar e vir tudo abaixo, quando ouviu uma voz perguntar:
- Por que você quer fazer isso comigo?
Rodrigo deu um salto para trás, batendo fortemente com o bum – bum no chão, tanto que um dos hóspedes veio perguntar - lhe se ele estava bem, se não havia se machucado.
Sem entender de onde vinha à voz, continuou a olhar para a armadura.
- Como você se chama – disse a voz.
- Ro... Rodrigo – respondeu.
- Rodrigo, não fique assustado. Esperei a sua volta para pedir – lhe desculpas pelo que aconteceu na última vez que você esteve aqui.
- Desculpas?! – Rodrigo dirigiu - se à voz, que saía da cabeça da armadura.
- Sim. Você lembra-se do dia em que eu bati a minha luva sobre a sua cabeça?
-?!
- Acontece que não fiz por acaso, mas foi para matar uma aranha que estava sobre sua cabeça. Essa aranha vem me acompanhando há séculos mais exatamente desde a Idade Medieval. Cansei de ouvi – la cantarolando e tecendo enormes teias que me davam cócegas e me faziam espirrar; e também, para que eu pudesse sair daqui dessa armadura.

A HISTÓRIA CONTADA AO RODRIGO PELO FANTASMA
- Como você sabe armaduras não falam. Eu sou um fantasma dentro desta armadura, mas fui gente um dia.
Rodrigo escutando o que a voz dizia, teve vontade de sair correndo, mas resolveu ouvir a história.
- Essa armadura – disse o fantasma - é do século XIV. Pertenceu a um dos cavaleiros do Rei. Sabendo que o castelo seria invadido pelos seus inimigos, o Rei saiu às pressas deixando tudo o que havia lá dentro castelo.
Como cavaleiro do Rei, fui morto em batalha e ficava vagando pelo castelo assustando algumas pessoas. Assim que o castelo foi deixado pelo Rei, surgiram bruxas malvadas em busca de alguns pertences para levarem para suas casas. Para esconder – me, pois eu estava com medo, entrei na armadura. Duas bruxas avistaram a armadura onde eu estava e assim começaram a brigar, jogando feitiço contra a outra.
- Vou levar as botas para mim – dizia uma.
- Eu quero as luvas e as botas – dizia a outra.
- Mas o que eu vou fazer com as botas se eu fico sem as luvas?
- Então, pode ficar com tudo! – retrucou a outra, lançando feitiço e transformando – a numa aranha preta, gorda e feia.
Rodrigo ouviu toda a história. Levantou – se do chão mais do que depressa, saindo de perto da armadura, gritando pelo saguão:
- Maaaanhêêê...

O QUE SE SABE NO FINAL DA HISTÓRIA
A aranha que era uma bruxa morreu mesmo. O fantasma saiu da armadura, para ir embora para sempre, prometendo a si mesmo não assustar mais ninguém. Rodrigo voltou para sua casa, já pensando nas férias do próximo ano.

DE VOLTA AO GRAND HOTEL ROYALE
Os meses passaram – se depressa. Rodrigo ia bem a todas as matérias, tirava excelentes notas, prestava atenção nas perguntas feitas pela professora em sala de aula. Mas era chegada a hora de viajar, tirar férias, se divertir.
Assim que Rodrigo chegou ao hotel, deu um beijo no tio Bartô e foi ver a armadura exposta no saguão. Para sua decepção, a armadura não estava lá.
- Tio Bartô, onde está a armadura que ficava no saguão?
E tio Bartô explicou que ela havia sido enviada à Inglaterra, para o Museu de História, onde era o seu lugar. Que aquela armadura foi usada em batalha, por um grande cavaleiro, que morreu defendendo o seu Rei. Sir Robert Stuart era o nome do cavaleiro medieval.
FIM

sexta-feira, 7 de março de 2014

Tempo esquisito



 Versos cantados
Há muito tempo eu não beijo
Há muito tempo eu não durmo
Tudo o que eu vivi
Não me valeu um segundo

Há muito tempo eu não danço
Há muito tempo eu não fico
Acho que este tempo
É um tempo esquisito

Procuro alguém para olhar
Estão olhando para o celular
Procuro alguém pra falar
Estão todos com fone de ouvido

Eu abro o meu guarda – chuva
Pra proteger – me do sol
Acho que esse tempo
É um tempo esquisito