quarta-feira, 30 de abril de 2014

Historinhas do blog


Leia e divirta - se!

Vitoriosa

Desde criança os pais de Fabíola levavam - na para passar as férias escolares na praia da Enseada no Guarujá, litoral de São Paulo.
Os tios Alfredo e Mariana adoravam quando Fabíola chegava toda alegre vestida no seu maiô preto de nadadora. Saia do carro, e a primeira coisa que falava:
- Vamos nadar?
Fabíola nem sabia nadar direito e o mar sempre foi um lugar perigoso. Mas foi no mar que ela aprendeu a dar suas primeiras braçadas. Tá certo que uma vez ela quase se afogou. Bateu uma onda muito forte virando Fabíola de cabeça para baixo. Se não fosse eu estar perto dela  e agarra – lá, nem sei...
Ficamos um bom tempo sem nos vermos, e Fabíola não procurou saber como eu estava. Sabia a respeito dela indo algumas vezes ao apartamento dos tios Alfredo e Mariana. Era assim que os tratava carinhosamente, como se fossem meus tios.
Mas, voltando a falar do tempo, muitos anos se passaram. Fiquei noiva e me casei. Meus pais foram morar na capital e eu fiquei aqui mesmo, morando no Guarujá.
Grávida do meu primeiro bebê, nesta mesma época, Fabíola reapareceu. Era quase uma mulher. Lembrei-me de quando íamos tomar sorvete no centrinho. Fabíola era uma menina mimada.
Soube que sua mãe, dona Odete, morrera de doença grave, e devido à enfermidade não pudera comparecer na última competição em que ela bateu o recorde dos 100 metros nado livre, faturando a medalha de ouro.
Fabíola foi campeã por diversas vezes nesta modalidade. Participava de vários campeonatos entre clubes e competições fora do país. Chegou a participar de uma Olímpiada, certa vez.
Tudo isso me contou quando veio me mostrar a medalha de ouro. Coisa mais linda a medalha com fita nas cores azul e branca.
Estávamos na praia quando ela se levantou e encaminhou – se até a beira do mar. Arremessou a medalha com força na água e com raiva também, provavelmente lembrando-se do fato da sua mãe não ter podido ir à competição para vê - la chegar ao primeiro lugar e pedindo naquele instante ao mar, que levasse a medalha para bem longe dali.
Fabíola foi embora. Achei que tivesse compreendido o seu ato.
No dia seguinte, andando a beira da praia, vi algo dourado brilhando na areia. Com uma das mãos, tentei desenterrar para ver o que era. Para minha surpresa, era a medalha de Fabíola.
Lembrei-me dos finais de tarde em que a mãe de Fabíola trazia a filha para dar “umas braçadas” no mar. Mãe zelosa, dona Odete esperava – a com a toalha nas mãos, para poder enxugar os cabelos compridos que Fabíola – eu não sabia como – conseguia enfiar dentro da tôca feita de borracha. Dona Odete nesta época tratava Fabíola como uma campeã. O mar foi e devolveu a medalha parecendo ter visto isso tudo.
Fui até a capital devolver a medalha de ouro pessoalmente à Fabíola.
- Rose, nem sei como agradecer, e obrigada por você lembrar da minha mãe – disse dando – me um forte abraço.
  Hoje, sou mãe de uma menina. Levo minha filha à praia para dar “umas braçadas” no mar, e me lembro de Fabíola, agora uma vitoriosa: pela volta em suas mãos da medalha de ouro e a superação da dor que sentiu, pela perda de sua mãe, dona Odete.


sexta-feira, 25 de abril de 2014

Mohamed

Uma historinha das arábias

Ele chegou ao Brasil com quinze anos de idade. O pai dele, o senhor Mustafá estivera em outras ocasiões na cidade de São Paulo, e foi assim, numa destas visitas, que conheceu Zulmira, mãe de Mohamed. Casou – se aqui mesmo em território brasileiro e levou – a para Riade capital e maior cidade da Arábia Saudita.
Portanto, Mohamed é filho de um árabe com uma brasileira.
Desta vez, o senhor Mustafá, trouxera a família toda. Foi intimado pelos irmãos mais velhos para trabalhar nos negócios da família. Do outro lado do mundo também, a vida do senhor Mustafá não andava muito “bem das pernas”.
Ao chegar aqui no Brasil, Mohamed acostumou – se rapidamente. Cresceu junto com os primos. Os pais dele nem haviam percebido, mas o tempo passou. Mohamed quase adulto quis ser diferente dos primos e amigos que o rodeavam na comunidade árabe, por isso resolveu sair de casa. Como disse Dona Zulmira:
- Para aventurar – se.
As palavras foram muitas, para convence – lo a ficar em casa morando e fazendo vida com os pais. O futuro dele estava garantido, mas nada o fizera mudar de ideia.
Saiu de casa para morar numa pensão logo que arranjou um trabalho de repositor de mercadoria num pequeno supermercado. Resolveu mudar – se para perto do emprego porque facilitaria bastante sua ida e vinda, não precisando tomar conduções lotadas. Dava para ir e voltar a pé.
E foi assim que conheci Mohamed: dentro do supermercado colocando maçãs na prateleira, até cair uma delas no chão.

A maçã rolou por uma ou duas vezes, até eu pega – la do chão e entrega - la nas mãos de Mohamed.
- Obrigado.
Agradeceu – me, colocando a maçã delicamente no lugar como se fosse uma pedra preciosa. Antes que me desse às costas, observei o rosto dele. Os olhos de cor preta, a pele da cor de um moreno diferente. Li o nome escrito no crachá.
Institivamente pronunciei:
- Mohamed.
- Pois não!
- Quem te deu esse nome?
- Meu pai – respondeu – me secamente, dando – me as costas novamente, para continuar o seu trabalho na prateleira.
No outro dia, ele estava lá.
- Bom dia, Mohamed.
- Bom dia senhorita.
Como é gostoso pronunciar esse nome, pensei.
- Morraamed – disse em voz alta.
- Pois não senhorita.
- Não é nada – respondi.
Arrisquei dizer:
- Não vai me dizer que você veio das arábias...
Ele riu e me disse:
- Eu vim das arábias sim, mas é uma longa história.
Percebi o sotaque de árabe, que soavam aos meus ouvidos como um som agradável. Lembrei-me da cidade de Bagdá, as historinhas de Ali Babá, Sherazade e as Mil e Umas Noites e então me engracei.
Ficamos um bom tempo sem nos vermos até que um dia entrei na lanchonete ao lado do supermercado. Mohamed estava sentado numa das mesas com o cardápio nas mãos. Como a lanchonete estava lotada, assim que ele me viu, me convidou para sentar à mesa junto com ele. Pedimos dois sucos e X- burgers.
Entre perguntas e respostas, compreendi toda a sua história, sempre me chamando a atenção, o sotaque dele.
Para minha surpresa, ele perguntou:
- Gostaria de aprender o alfabeto árabe?
Sem ter como negar e aprender nunca é demais, aceitei.
- Aprender não só idioma árabe, mas outras línguas aproximam os povos, faz conhecer gente – me disse.
Encontramos - nos por diversas vezes na lanchonete.
 No final das aulas ele me contou que o sonho dele é de ser um calígrafo, e os que os pais dele com isso, ficarão orgulhosos...