sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Pérola



        Assim que toquei a campainha, ouvi um grito que vinha dentro da casa da dona Cinthia. Pedi licença e entrei correndo.

Dona Cinthia estava agachada no chão do quarto à procura de alguma coisa.

— Boa tarde dona Cinthia? O que se passa?

— Ajude-me a procurar a pérola que descolou do meu anel.

— Trouxe um pedaço de bolo para tomarmos nosso chá – disse, enquanto ajudava a procurar a pérola.

— Sabe – disse ela – este anel tem um valor inestimável.

Me foi dado pelo meu falecido marido em nossa primeira viagem de navio.

       
 Lembro – me do anel que dona Cinthia ostentava no seu dia a dia, em que ela não o tirava do dedo nem para cuidar das flores do jardim, nos fundos da casa.

Desde que mudamos para Pinheiros, dona Cinthia sempre nos tratou muito bem. Nas tardes de sábado, nos presenteava com pedaços de bolo, e assim retribuíamos com o mesmo gesto, tanto eu quanto minha mãe. Porém ultimamente, as idas e vindas de pedaços de bolos já não eram tão frequentes, e era eu quem mais ia à casa da dona Cinthia. 

— Lamento o desaparecimento da pérola do seu anel. Quem sabe um dia ela aparece. E então, vamos tomar nosso chá?

Nos dias que se seguiram, a casa da dona Cinthia permaneceu fechada, e soube pela minha mãe, que dona Cinthia partiria em mais uma de suas viagens, patrocinada pelo filho.

— Coitada mãe, dona Cinthia naquela casa morando sozinha.

— Sozinha e Deus – respondeu.

Dona Cinthia, desta vez não voltaria mais para casa. Assim que cheguei da faculdade, soube que dona Cinthia havia tido um mal súbito no navio, à beira da piscina, tendo sido socorrida, morrendo em seguida mesmo antes de chegar à terra firme.  Às vezes penso que o desgosto de não ter achado a pérola do seu estimado anel, que havia sumido no chão do quarto contribuiu para o triste fim dela. Ela ficou muito triste e a depressão provavelmente teria contribuído.

O filho da dona Cinthia colocou a casa para alugar. Vi quando ele chegou de carro que acredito ser um Audi, na cor branca, estacionando – o na frente da casa, juntamente com a presença do corretor de imóveis que colocava a placa no portão.

Sempre achei Vinícius um rapaz atraente, porém era uma pessoa muito sóbria com ternos de cor escura e sapatos de feitos de couro. Nunca soubemos em que trabalhava, mas sabíamos que ganhava muito dinheiro. Nas poucas vezes em que nos encontramos na casa da dona Cinthia, trocávamos apenas um “bom dia” ou “boa tarde”, nada mais que isso.

Casa alugada, soubemos que veio morar uma senhora de meia – idade. Era uma costureira, pois a placa pendurada na janela anunciava: REFORMA – SE ROUPAS. Finalmente eu e a costureira Dona Rosa, nos apresentamos na fila do caixa do supermercado.

         Combinei com ela numa tarde de sábado que fizéssemos vestidos novos para mim. Dona Rosa me disse que teria prazer em confeccionar um vestido de noiva para dar - me de presente. Talvez soubesse por alguma fofoqueira da rua, que eu namorava um rapaz já havia dois anos.

— Marcos não tem pressa para se casar dona Rosa.

— E você está esperando o quê para pedir ele em casamento.

Assim que a ouvi dizer isso, respondi dando risada:

— A senhora é mesmo moderninha.

Insistindo respondeu – me séria que me deu até medo:

— Peça ele em casamento porque o tempo passa.

Realmente passa mesmo. Fui para casa e Marcos estava prestes a chegar para sairmos e festejarmos nosso aniversário de dois anos de namoro, porém detalhe: ele nem sequer tocou no assunto e partiu para uma conversa de ter sido convidado pela empresa onde trabalhava para abrir uma mais uma filial na Argentina e que pretenderia ir casado. Contei então sobre o vestido de noiva.

— E então você aceita – disse – me em tom afirmativo.

— Marcos, não é bem assim. Você me pega de surpresa e estas coisas não se resolvem da noite para o dia. Não sei, vou pensar.

— Não pense, minha querida. Coloque o vestido de noiva e a festa será por minha conta – respondeu Marcos em tom seco sem emoção alguma, como se fosse um negócio.

E foi assim que aconteceu. Tranquei a matrícula do meu último ano na faculdade de engenharia para me casar com Marcos.

Chegando à Argentina, encontramos o apartamento todo mobiliado e bastante comida na geladeira.

Eu que sempre imaginava juntos, eu e o Marcos comprando a cama de casal e decorando nosso apartamento em fins de semana como outros casais planejando o futuro, me senti decepcionada.

O contrato de Marcos expiraria em três anos e já no primeiro ano, eu não aguentava mais ficar presa em um apartamento que nem era nosso e sim emprestado pela empresa.

Sentia saudades da minha rua, da casa dos meus pais e dos meus vizinhos e amigos.

Eu e Marcos discutíamos frequentemente.

— Falta alguma Beatriz? - argumentava Marcos naquela tarde de domingo, com as mãos ocupadas pelos relatórios tentando de me convencer que aquilo tudo era uma maravilha.

         Na mesma noite fui para o quarto e liguei o notebook.

         A conexão estava péssima, mesmo assim consegui falar com mamãe. Foi quando ela me deu a notícia de que papai não estava bem.

— Pode me esperar mãe, que eu já estou chegando - dizendo convicta de ela poderia contar comigo.

Deixando Marcos na Argentina estava eu de volta. Larguei as malas no meio da sala e fui direto para o meu quarto. Que saudades!

Os objetos encontravam - se no mesmo lugar parecendo estarem a minha espera. Talvez mamãe adivinhasse alguma coisa.

         Abri o guarda – roupa e os vestidos que dona Rosa havia feito nem cheguei a usar. Havia uma caixa sobre a cômoda. Era o vestido de noiva.

— Mamãe! – ouvi os passos dela chegando do hospital.  

Ela entrou em silêncio até meu quarto.

— Como está papai?

— Não está nada bem, filha.

Ela sentou – se à beira da cama onde muitas vezes sonhei em ser feliz.  

— Mãe porque a senhora não desfez dos meus vestidos? E esse aqui? – apontando para o vestido de noiva.

— Ele é tão bonito, não é filha? Veja esse enfeite, o detalhe do miolo da flor feito com esse botão. Parece uma pérola não parece? 

— Mamãe, a senhora está bem?

— Foi um casamento às pressas, não foi filha?

— Nem me fala mamãe. As coisas entre eu e Marcos não estão nada bem. E o pior: estou grávida.

— Grávida! Agora que seu pai...

— O que tem papai?!

— Seu pai foi desenganado pelos médicos. Logo partirá e não conhecerá o neto ou neta. É menino ou menina?

Ouvindo mamãe dizer todas essas coisas comecei a chorar e ver que minha vida estava bagunçada. Mesmo assim não desviei o olhar do enfeite que nem havia reparado no dia do casamento, e me fez lembrar algo do passado.

Após o enterro do papai, Marcos cobrava meu retorno à Argentina.

Mesmo pelo telefone disse a Marcos que eu não voltaria e que retornasse ao Brasil para assumir a responsabilidade da vinda do nosso filho que estava prestes a nascer.

— Beatriz, que hora mais inconveniente para você ter esse filho. Poderíamos ter planejado melhor e...

Sem esperar o que ele acabara de dizer, desliguei o telefone, mas antes ele me ouviu pedir o divórcio.

Fui para o quarto, peguei o vestido de noiva com raiva e quase o em rasguei, mas resolvi dar para alguém que pudesse ser realmente feliz. Olhando para o enfeite, ele me intrigava. Decidi arranca – lo e levar para dona Rosa para saber onde ela havia comprado o enfeite, que agora me intrigava.

— Não comprei, fiz com retalhos que sobrou da costura.

— E esse detalhe do botão?

— Ah, eu achei no chão do quarto.

— No chão do quarto. Como assim?

— No chão do quarto perto do guarda – roupa. Deve ter caído de alguma fantasia da pessoa que morava aqui.  Eu achei bonito e colei no enfeite, imitando um miolo de flor. Ficou bonito não ficou?

— Ficou sim dona Rosa e nem deu tempo de agradecer seu presente. Foi tudo tão corrido. Mas voltando, a senhora pode me mostrar onde foi que o achou?

— Venha ver – seguindo – a até o quarto onde era da dona Cinthia

Entramos no quarto e ela apontou na direção do assoalho.

— Então ela esteve aí todo esse tempo.

— Ela quem?

— A pérola do anel da dona Cinthia.

— É uma pérola?

— Sim, legítima.

E contei toda a história envolvendo a pérola

— Pois iremos devolver essa pérola.

— Dona Rosa, dona Cinthia morreu.

         — Devolver para o filho da dona Cinthia, aquele que você me contou.

         —  Vou ligar para a imobiliária e pedir o telefone dele. Você liga e devolve isso, combinado?

         — Combinado – respondi contrariada, achando que eu pudesse vender a pérola para pagar o enxoval do bebê.

         Eu e Vinícius nós encontramos em casa mesmo, pois mamãe gostaria de conhece – lo.

         Logo que Vinícius chegou, naquela tarde de sábado, tomamos um chá, e devolvi a pérola para ele, contando a história da pérola do anel da dona Cinthia, perdida no chão do quarto. 
                     
  — Gostaria de voltar outras vezes para conversarmos – disse Vinícius ao sair.                                                    

                               — Com certeza.  

        Sendo assim, saímos por diversas vezes. Vinícius gostava do Marcos Júnior e se dava muito bem com mamãe.

        Meu divórcio havia saído e Marcos mandava todo mês, da Argentina, a pensão do menino.

        Vinícius trabalhando num escritório de engenharia, me incentivou a voltar e completar o curso de engenharia e quem sabe virar sócia no escritório.

        Um belo dia, Vinícius trouxe um champanhe e perguntei onde era a festa. Ele de joelhos aos meus pés abrindo uma caixinha de joia me pedindo em casamento. 

Arregalando os olhos reconheci a pérola que agora estava no anel. 
— Vinícius, não vai dizer que é a pérola...

— É ela mesma. Bia, você quer casar comigo?


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