Era
tarde da noite quando disputei mais uma vez a mesa da cozinha com o
ferro de passar roupa. Estudava pela manhã e quando
chegava a
tarde ou logo
a
noitinha, era cada vez mais difícil ou quase impossível ficar ali
apertada no cantinho da mesa, com meus livros, lápis e cadernos.
—Dá
licença que eu quero passar roupa – pedia minha mãe que eu saísse
dali, mas eu teimosa ficava no cantinho da mesa vendo ela passar
aqueles
montes de
roupas.
Via
minha mãe esticar por sobre a mesa, o velho cobertor que um dia na
cama, agasalhou meu irmão. Assim
ela esticava
um outro pano branco feito de algodão por sobre o cobertor.
Criteriosamente ligava o ferro de passar à
tomada e com um copo cheio d’água,
ela o enchia até o limite a fim de produzir o vapor necessário
para o
alisamento da roupa.
Um
dia, saí com essa:
– Mãe,
parece um dragão seu ferro de passar – olhando para ela, e vendo
escorrer fios de suor na
testa, devido a
quentura do ferro.
A
cozinha, ficava quente feito
uma sauna, mas eu adorava o cheiro do amaciante que vinha
da roupa quando ela passava o
ferro.
Eram
montanhas de roupas que minha mãe lavava além de passar. Carros
estacionavam a noitinha enfrente a
nossa casa
e tocando a campainha, gritavam lá debaixo:
—E
aí dona Sofia, a
roupa
está
pronta?
— Prontinha!
— respondia
minha mãe,
descendo as escadas correndo
para pegar os trocados. As roupas eram cuidadosamente
embrulhadas em lençóis brancos, lençóis
da cama de casal dela.
Contos
de fadas, em que noites,
o senhor
Libério, meu
velho pai
taxista
num ponto de táxi pertinho de casa, trabalhou
durante
anos
– contava – nos
à beira
da cama, até que dormíssemos.
Castelos,
príncipes e princesas, florestas,
montanhas e dragões.
Meu
pai havia
falecido
e minha
mãe - uma simples dona de casa - precisou arrumar um serviço fora.
Foi quando surgiu
a ideia
de trabalhar como lavadeira e passadeira, pois era só o que sabia
fazer. Era
o jeito de nos
sustentar, eu e meu irmão, que também precisou mudar de
vida
largando
os estudos para trabalhar como
garçom
em
restaurante.
Sendo
eu a mais nova, foram os dois
que
arcaram
com os meus estudos. Fiz
curso técnico de enfermagem e
assim que minha
mãe ficou doente, fui eu quem cuidou dela, quando
veio a falecer.
Então
foi que nesse
meio tempo,
encontrei um
príncipe
encantado.
Com
a vinda do meu primeiro
filho, cuidei
dos afazeres da casa enquanto meu marido trabalhava.
Assim
como minha mãe sempre
fez, sou
eu quem passo a roupa de
casa.
Então uma tarde quando estiquei por sobre a mesa, o velho cobertor que um dia na cama, agasalhou meu irmão, colocando um outro pano branco feito de algodão por sobre o cobertor e criteriosamente ligando o ferro à tomada, lembrei da minha mãe que sustentou dois filhos, eu e meu irmão, sob o fogo de um dragão.
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