quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Sob o fogo de um dragão


Era tarde da noite quando disputei mais uma vez a mesa da cozinha com o ferro de passar roupa. Estudava pela manhã e quando chegava a tarde ou logo a noitinha, era cada vez mais difícil ou quase impossível ficar ali apertada no cantinho da mesa, com meus livros, lápis e cadernos.
Dá licença que eu quero passar roupa – pedia minha mãe que eu saísse dali, mas eu teimosa ficava no cantinho da mesa vendo ela passar aqueles montes de roupas.
Via minha mãe esticar por sobre a mesa, o velho cobertor que um dia na cama, agasalhou meu irmão. Assim ela esticava um outro pano branco feito de algodão por sobre o cobertor. Criteriosamente ligava o ferro de passar à tomada e com um copo cheio d’água, ela o enchia até o limite a fim de produzir o vapor necessário para o alisamento da roupa.
Um dia, saí com essa:
Mãe, parece um dragão seu ferro de passar – olhando para ela, e vendo escorrer fios de suor na testa, devido a quentura do ferro.
A cozinha, ficava quente feito uma sauna, mas eu adorava o cheiro do amaciante que vinha da roupa quando ela passava o ferro.
Eram montanhas de roupas que minha mãe lavava além de passar. Carros estacionavam a noitinha enfrente a nossa casa e tocando a campainha, gritavam lá debaixo:
E aí dona Sofia, a roupa está pronta?
Prontinha! — respondia minha mãe, descendo as escadas correndo para pegar os trocados. As roupas eram cuidadosamente embrulhadas em lençóis brancos, lençóis da cama de casal dela.
Contos de fadas, em que noites, o senhor Libério, meu velho pai taxista num ponto de táxi pertinho de casa, trabalhou durante anos – contava – nos à beira da cama, até que dormíssemos.
Castelos, príncipes e princesas, florestas, 
montanhas e dragões.
Meu pai havia falecido e minha mãe - uma simples dona de casa - precisou arrumar um serviço fora. Foi quando surgiu a ideia de trabalhar como lavadeira e passadeira, pois era só o que sabia fazer. Era o jeito de nos sustentar, eu e meu irmão, que também precisou mudar de vida largando os estudos para trabalhar como garçom em restaurante.
Sendo eu a mais nova, foram os dois que arcaram com os meus estudos. Fiz curso técnico de enfermagem e assim que minha mãe ficou doente, fui eu quem cuidou dela, quando veio a falecer.
Então foi que nesse meio tempo, encontrei um príncipe encantado.  
Com a vinda do meu primeiro filho, cuidei dos afazeres da casa enquanto meu marido trabalhava.
Assim como minha mãe sempre fez, sou eu quem passo a roupa de casa.
Então uma tarde quando estiquei por sobre a mesa, o velho cobertor que um dia na cama, agasalhou meu irmão, colocando um outro pano branco feito de algodão por sobre o cobertor e criteriosamente ligando o ferro à tomada, lembrei da minha mãe que sustentou dois filhos, eu e meu irmão, sob o fogo de um dragão.

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